A questão sobre se os bens pessoais dos sócios pagam dívida da empresa é um tema que desperta interesse dos empresários, empreendedores e investidores. Em um cenário econômico cada vez mais competitivo e dinâmico, muitas empresas enfrentam dificuldades financeiras e, eventualmente, podem acumular dívidas, surgindo dúvidas a respeito.
No âmbito jurídico, é importante destacar a separação entre a pessoa física (o sócio ou proprietário da empresa) e a pessoa jurídica (a empresa). Essa distinção é fundamental para determinar a responsabilidade e os limites na execução das dívidas.
Geralmente, a pessoa jurídica possui responsabilidade própria e patrimônio separado dos seus sócios, sendo que os bens pessoais dos sócios não devem ser atingidos para quitar dívidas da empresa.
Existem algumas situações em que essa separação pode ser desconsiderada e os bens pessoais dos sócios podem ser alcançados, como por exemplo, quando o proprietário de uma empresa oferece um bem pessoal como garantia para um empréstimo ou em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, conforme artigo 50, do Código Civil, denominando-se desconsideração da personalidade jurídica que veremos mais adiante.
Portanto, a execução de bens pessoais dos sócios para quitar obrigações da empresa depende de diversos fatores, como a natureza jurídica da empresa, a conduta dos sócios e administradores, e o cumprimento das obrigações fiscais e trabalhistas. Destacaremos a responsabilidade nos tipos de sociedade empresarial mais utilizados na atividade econômica.
Bens Pessoais dos Sócios na Sociedade Limitada (LTDA)
Segundo o Código Civil, artigo 1052, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
Isso quer dizer que se um ou mais sócios não tiver integralizado sua participação o capital social não estará totalmente integralizado e poderá responder com seu patrimônio pessoal pelas obrigações da sociedade.
Ainda, os outros sócios respondem de forma solidária, ou seja, o credor pode cobrar a dívida de qualquer um dos sócios, sem ordem de preferência.
Bens Pessoais dos Acionistas na Sociedade Anônima (SA)
Na Sociedade Anônima (SA), cada acionista responde no limite de sua parte no capital social da empresa por ele subscrita e ainda não integralizada. Contudo, não há responsabilidade solidária, ao contrário da Sociedade Limitada.
Uma das características essenciais da Sociedade Anônima é justamente a limitação da responsabilidade do acionista à proporção do valor da sua ação, o que possibilita o interesse na entrada de diversos investidores, sem que corram o risco de serem responsabilizados pelas obrigações assumidas pela empresa.
Há algumas dificuldades para a desconsideração da personalidade jurídica na SA:
- A própria limitação à proporção da participação do acionista;
- O capital social não estar dividido por cotas, mas sim por ações, que são negociadas livremente, em alguns casos, dificultando a identificação do acionista;
- A gestão e poder de decisão não é dividido entre todos os acionistas, apenas à figura do acionista-controlador, que pode ser representado por uma pessoa ou um grupo de pessoas vinculadas por acordo de voto, conforme Lei 6.404/1976, artigo 116.
No entanto, a mesma Lei 6.404/1976, artigo 117, estipula que o acionista-controlador responderá pelos danos que causar por atos praticados com abuso de poder.
Neste sentido, em uma sociedade anônima de capital fechado, que possui características semelhantes à sociedade limitada, muitas vezes os administradores são os próprios acionistas. Assim, em caso de desconsideração da personalidade jurídica, os bens pessoais de todos os seus acionistas, podem pagar pelas obrigações da empresa, assim como ocorre com a desconsideração na Sociedade Limitada.
Já no caso da Sociedade Anônima de capital aberto, deverá atingir os bens pessoais do acionista controlador.
Bens Pessoais do Sócio na Empresa Individual/ MEI e Unipessoal (SLU)
Em muitos casos, os proprietários de pequenas empresas optam por operar como uma empresa individual, o que significa que a empresa não é uma entidade legal separada do proprietário, não sendo considerado pessoa jurídica. É como se fosse uma pessoa física exercendo atos de comércio. Para esse tipo de constituição empresarial, temos:
Empresário Individual / MEI
A titularidade da empresa e a responsabilidade patrimonial é da própria pessoa física que exerce a atividade empresária, ele é o único sócio e proprietário, o que significa que os credores da empresa podem executar os bens pessoais para pagar as dívidas da empresa.
Nestes casos, não há o que se falar em desconsideração da personalidade jurídica, pois não há separação entre o patrimônio da pessoa física e do empresário. O titular responde diretamente com seu patrimônio pessoal pelas dívidas e obrigações da empresa.
Sociedade Limitada Unipessoal (SLU)
Apesar de ter no nome a palavra “sociedade”, é uma empresa que é aberta por um único empreendedor, mas com a natureza jurídica da Sociedade Limitada, ou seja, o patrimônio do empreendedor fica separado da empresa.
A Sociedade Limitada Unilateral (SLU) foi criada por meio da MP 881/2019 e convertida posteriormente na Lei 13.874/2019. Conhecida como “MP da Liberdade Econômica”, teve por objetivo a modernização e o fomento na atividade econômica empresarial.
Tem como características:
- Não necessidade de sócio para abertura;
- Não exigência de Capital Social mínimo como ocorre na LTDA, reduzindo os custos com o investimento inicial;
- Não há limite quanto ao número de SLUs que uma pessoa física pode constituir;
- Separação do patrimônio pessoal do patrimônio da empresa.
Com a publicação da Lei 14.195/21, a EIRELI (Empresa Individual de Responsabilidade Limitada) foi substituída pela Sociedade Limitada Unipessoal (SLU), sem necessidade de alteração do ato constitutivo.
Restou saber como ficaria a desconsideração da personalidade jurídica para a SLU. Em decisão recente de 2021 do STJ, o Recurso Especial nº 1.874.256 reformou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que permitia a penhora de bens de uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI) para satisfazer dívidas contraídas pela titular da empresa, sem a previsão legal da desconsideração da personalidade jurídica.
Com o fim da EIRELI, espera-se que o entendimento do STJ deverá ser aplicado também para a Sociedade Limitada Unipessoal (SLU).
Desconsideração da Personalidade jurídica
Como mencionado, a desconsideração da personalidade jurídica ocorre quando o juiz, diante de uma demanda judicial, entende que há razões para responsabilizar os sócios ou administradores pelos débitos da empresa. Essa medida é aplicada em casos específicos, como fraudes, abusos da personalidade jurídica ou confusão patrimonial entre a empresa e seus sócios.
Ressalte-se que se trata sobre o alcance dos bens pessoais dos sócios para pagar dívidas da empresa quando não há patrimônio existente ou suficiente na pessoa jurídica, nos seguintes casos e conforme a abordagem jurídica:
Desvio de Finalidade
O desvio de finalidade ocorre quando os sócios ou administradores da empresa agem com o objetivo de prejudicar credores, utilizando a empresa para fins ilícitos ou contrários ao interesse público ou do seu objeto social, inclusive, podendo configurar fraude.
Confusão Patrimonial
Já a confusão patrimonial é caracterizada pela ausência de separação entre os bens da empresa e dos sócios, tornando impossível a identificação do patrimônio de cada um. Por exemplo, quando as movimentações financeiras pessoais e da empresa ocorrem em uma mesma conta bancária.
Execução Fiscal e Trabalhista
O Código Tributário Nacional, artigo 135, afirma que os sócios e administradores são pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração à lei, contrato social ou estatutos.
O raciocínio é o mesmo para o qual está prevista a desconsideração da personalidade jurídica para as obrigações contraídas na empresa, porém, neste caso, sendo de natureza tributária.
Sendo assim, na execução fiscal, os sócios podem ser responsabilizados subsidiariamente e podem responder pelas obrigações da empresa caso esta não possua bens suficientes para quitar os débitos.
Na execução para fins de dívidas trabalhistas, o judiciário entende ter natureza alimentar, portanto, os bens pessoais dos sócios podem responder independentemente de se comprovar o ato danoso do sócio, basta haver a inadimplência.
Proteção ao Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor, artigo 28 prevê as hipóteses em decorrência da relação de consumo, visando a proteger o consumidor, considerando-se a hipossuficiência deste, em relação à empresa:
Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. (art.28, parágrafo 5º)
Bem de Família
A Lei 8.009/90 determina a impenhorabilidade do bem de família, o imóvel próprio usado para a residência não pode responder pelas dívidas contraídas pelo seu proprietário, incluindo as da empresa, caso seja titular de uma, garantindo o direito fundamental à moradia.
Para garantir esta proteção, é necessário que:
- O devedor resida neste imóvel;
- Se houver outros imóveis, ser o de menor valor;
- Estar registrado em cartório como bem de família.
A única exceção é quando, sendo fiador em um contrato de locação (residencial ou comercial), este oferecer o bem de família como garantia.
É importante contar com um advogado especialista ou uma assessoria jurídica para evitar que os bens pessoais dos sócios não sejam prejudicados pela atuação da empresa, bem como, estar atento à natureza jurídica da empresa que se quer constituir.
O Oliveira & Dansiguer tem escritório de advogados em Alphaville e escritório de advogados em Pinheiros, contando com equipe multidisciplinar especializada em diversas áreas do Direito, inclusive Direito Tributário e Direito Empresarial para auxiliar nas questões sobre bens pessoais dos sócios e dívidas da empresa, na esfera civil e tributária.
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